quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A nossa casa


A nossa casa


Ainda me lembro como em outros tempos – coisas de jovem…, percebes? – desejava, um dia, vir a possuir uma casa de janelas amplas por onde o Tejo entrasse e os astros, do dia e da noite, brilhassem como pêndulos de luz a marcar o tempo. Uma casa sem muros que barrassem o passo ou dividissem o indivisível chão. Uma casa com a porta da frente voltada para ti, de onde quer que chegasses. Sem trancas nem ferrolhos. Aberta. Território sem fronteiras, livre e improfanável… a nossa casa.

Do fundo do meu ser nasceu e amadurou, até que fosse capaz de te receber inteira, para morares em mim.

Pensei, por fim, anunciar em toda a parte: estou pronto! Qualquer coisa deste género diria o cartaz, o spot, num grito transparente no meio da cidade conspurcada; ou o anúncio quase anónimo e subversivo, anichado em caixa baixa na página dos classificados, tal sussurro inquieto e clandestino.

Assim, preferi dizer-to, em segredo, também por não saber se o depois de ti existirá.

Risquei este mapa, que dobrei em quatro, e sobre uma das faces escrevi o teu nome de sol e lua.
Só posso esperar que me procures, se te aprouver. Então, se quiseres, procura dentro de ti – que o mesmo é dizer, dentro de mim – o rumo para me achares. É fácil, tal como um caminho de cordel. Tomando-se-lhe a ponta, vai-se-lhe desatando as pistas que deixei nele presas: segue a brisa que te traga o húmus e a maresia; enleva-te em secretos abismos e cheiros de óleos místicos, de ferros de indústrias velhas e cordame de amarrações de novas naus; persegue os ligeiros relâmpagos rebrilhantes que nascem no entrechocar e voltear inconstante das folhas do arvoredo; e mais, os espasmos do ar macio enrolado nos teus cabelos; procura o estremecimento brando da ternura que soltei na dobra do relento que te vai cobrindo.

Traz contigo, no bornal que sempre te acompanha, sementes armadilhadas de paz e alegria, e lança-as no vento Sul. Vais ver… Explodirão novos trilhos, veredas e avenidas que, só a tua vontade e o teu desejo, irão percorrer libertas. E traz trovas e baladas, também, para armares o meu amor guerrilheiro.

No caminho não te distraias, em vão, com qualquer acaso, saudade ou tristeza, que te possa roubar a poesia da jornada, porque te quero viva e total. Respira fundo o perfume das árvores que te guiam, escuta os pássaros que cantam só para ti um improviso perpétuo e, por isso, imperfeito. E no limite do teu olhar vê o mar a embalar um ocaso de cores selvagens.

Quando chegares será noite. Não tropeces nas estrelas que eu deixei por aí espalhadas. Guia-te pelo luar aceso no alpendre. Não desfaleças com o seu brilho, é apenas o reflexo do meu amor a ti, do meu amor à vida.

À porta não procures a campainha. No rumor da natureza ouço-te chegar. Por isso te peço, se vieres até mim, entra sem bateres; uma única pancada forte, que sentirei então, no meu peito, será o chamamento para ir receber-te jubiloso. A passagem, está franqueada na entrada larga, como os meus braços abertos.

Toma-me fundo no teu cio, e profana o meu corpo, como até aqui tens feito amando-me, quando sou eu quem procura delinquir-te, em pretensa iniciação de ritos carnais.
Deixa, depois, que durma encostado na maciez dos teus seios. E tu, descansa enroscada no meu corpo, o rosto pousado no meu ombro. Guardamo-nos, um ao outro, para o porvir, neste sono-sonho-satisfeito.


Eis a minha casa.
Dirão que é imaginária. Não acredites! Nada pode ser mais real que a casa que o nosso ser reveste, aquela a que os nossos corpos, juntos, dão sombra e protegem.

Eis o meu lar. A casa que desenhei com as minhas mãos no fogo do teu ser, sem placa toponímica ou número de polícia. A minha casa sou eu e és tu ao chegares a mim, sempre que te pressinto… sempre que te penso. E esta é a porta por onde te adivinho e onde me reencontro e reconheço como num espelho.

Não te esqueças…, quero que não a feches ao saíres. Por ela entrarão os dias esgotados que se renovam no amanhecer. Todos podem vir em busca dessa aurora, ou procurarem, na casa que inventei em ti, o abrigo de uma noite apenas, a emoção de um amor diferente, mesmo sobre momento da partida.
Por isso não esqueças… Deixa a nossa porta entreaberta.

 Lisboa, Setembro de 1996
João Rodrigues
Dezembro de 2009

2 comentários:

  1. "A Nossa Casa".
    Bem de tantos contos seus que já li..esse me fez chorar do ínicio ao fim. Acho que dispensa qualquer comentário...
    Parabéns ao Autor: João Rodrigues.

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  2. Saudades eternas poeta do meu coração! Te amo para sempre...!! Beijos

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