Ainda me lembro como em outros tempos – coisas de jovem…, percebes? – desejava, um dia, vir a possuir uma casa de janelas amplas por onde o Tejo entrasse e os astros, do dia e da noite, brilhassem como pêndulos de luz a marcar o tempo. Uma casa sem muros que barrassem o passo ou dividissem o indivisível chão. Uma casa com a porta da frente voltada para ti, de onde quer que chegasses. Sem trancas nem ferrolhos. Aberta. Território sem fronteiras, livre e improfanável… a nossa casa.
Do fundo do meu ser nasceu e amadurou, até que fosse capaz de te receber inteira, para morares em mim.
Pensei, por fim, anunciar em toda a parte: estou pronto! Qualquer coisa deste género diria o cartaz, o spot, num grito transparente no meio da cidade conspurcada; ou o anúncio quase anónimo e subversivo, anichado em caixa baixa na página dos classificados, tal sussurro inquieto e clandestino.
Assim, preferi dizer-to, em segredo, também por não saber se o depois de ti existirá.
Risquei este mapa, que dobrei em quatro, e sobre uma das faces escrevi o teu nome de sol e lua.
Só posso esperar que me procures, se te aprouver. Então, se quiseres, procura dentro de ti – que o mesmo é dizer, dentro de mim – o rumo para me achares. É fácil, tal como um caminho de cordel. Tomando-se-lhe a ponta, vai-se-lhe desatando as pistas que deixei nele presas: segue a brisa que te traga o húmus e a maresia; enleva-te em secretos abismos e cheiros de óleos místicos, de ferros de indústrias velhas e cordame de amarrações de novas naus; persegue os ligeiros relâmpagos rebrilhantes que nascem no entrechocar e voltear inconstante das folhas do arvoredo; e mais, os espasmos do ar macio enrolado nos teus cabelos; procura o estremecimento brando da ternura que soltei na dobra do relento que te vai cobrindo.
Traz contigo, no bornal que sempre te acompanha, sementes armadilhadas de paz e alegria, e lança-as no vento Sul. Vais ver… Explodirão novos trilhos, veredas e avenidas que, só a tua vontade e o teu desejo, irão percorrer libertas. E traz trovas e baladas, também, para armares o meu amor guerrilheiro.
No caminho não te distraias, em vão, com qualquer acaso, saudade ou tristeza, que te possa roubar a poesia da jornada, porque te quero viva e total. Respira fundo o perfume das árvores que te guiam, escuta os pássaros que cantam só para ti um improviso perpétuo e, por isso, imperfeito. E no limite do teu olhar vê o mar a embalar um ocaso de cores selvagens.
Quando chegares será noite. Não tropeces nas estrelas que eu deixei por aí espalhadas. Guia-te pelo luar aceso no alpendre. Não desfaleças com o seu brilho, é apenas o reflexo do meu amor a ti, do meu amor à vida.
À porta não procures a campainha. No rumor da natureza ouço-te chegar. Por isso te peço, se vieres até mim, entra sem bateres; uma única pancada forte, que sentirei então, no meu peito, será o chamamento para ir receber-te jubiloso. A passagem, está franqueada na entrada larga, como os meus braços abertos.
Toma-me fundo no teu cio, e profana o meu corpo, como até aqui tens feito amando-me, quando sou eu quem procura delinquir-te, em pretensa iniciação de ritos carnais.
Deixa, depois, que durma encostado na maciez dos teus seios. E tu, descansa enroscada no meu corpo, o rosto pousado no meu ombro. Guardamo-nos, um ao outro, para o porvir, neste sono-sonho-satisfeito.
Eis a minha casa.
Dirão que é imaginária. Não acredites! Nada pode ser mais real que a casa que o nosso ser reveste, aquela a que os nossos corpos, juntos, dão sombra e protegem.
Eis o meu lar. A casa que desenhei com as minhas mãos no fogo do teu ser, sem placa toponímica ou número de polícia. A minha casa sou eu e és tu ao chegares a mim, sempre que te pressinto… sempre que te penso. E esta é a porta por onde te adivinho e onde me reencontro e reconheço como num espelho.
Não te esqueças…, quero que não a feches ao saíres. Por ela entrarão os dias esgotados que se renovam no amanhecer. Todos podem vir em busca dessa aurora, ou procurarem, na casa que inventei em ti, o abrigo de uma noite apenas, a emoção de um amor diferente, mesmo sobre momento da partida.
Por isso não esqueças… Deixa a nossa porta entreaberta.
João Rodrigues
Dezembro de 2009
"A Nossa Casa".
ResponderEliminarBem de tantos contos seus que já li..esse me fez chorar do ínicio ao fim. Acho que dispensa qualquer comentário...
Parabéns ao Autor: João Rodrigues.
Saudades eternas poeta do meu coração! Te amo para sempre...!! Beijos
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