terça-feira, 12 de outubro de 2010

O tiro fatal

O tiro fatal



A sombra fria que invadia o chão a gritar de sede, clareava, transformando o castanho-escuro da terra fendida, aveludada de pó, até ao alaranjado fogo que revelava o pano de leito do sol a aninhar-se no horizonte de cinza.
A meio caminho do poente, o medo, cravava-se àquele chão sorvendo a própria morte nas raízes de carvão ramificadas. Espec-tro de árvore entranhado no silêncio, a rasgar com o corpo negro, todo o espaço em redor, lançando unhas, acesas no lume do sol ja-zente, nas extremidades dos braços nus, nascidos de outros braços nus que se afilavam, cada vez mais, na direcção dele.

Retirou o olhar da paisagem inquietante, para o deixar escorrer sobre as breves linhas alinhavadas.

Meu Amor,
Tudo o que te digo aqui, não passa de lugares-comuns nos quais lembro quem fomos antes de partires, o que quisemos ser, o que tomámos um no outro como saque de conquista, fazendo nosso o melhor – e o pior também – que era exclusivo, íntimo e secreto em cada um de nós.
Digo-te o gozo pleno de aventura que foi ter-te achado e, esse momento, para sempre reencontrado em cada respiração, em cada abalo sísmico por cada folha tombada, cada renovo de paixão.
Falo-te da cova que abro agora, neste abismo de distância, por não conseguir imaginar-me fora de ti...

A caneta, que permanecia muda na mão inerte, caiu no tampo da secretária.
Não sabia como dizer a Laura que o fim daquele quadro, estava ali, agora, lívido de clareza inexprimível e inevitável. Não sabia…
Com a lentidão que já tinha visto no cinema, abriu a gaveta. Tirou a pistola, bateu no carregador, puxou a culatra e, com um estalo seco, metálico, a bala alojou-se na câmara. Destravou a arma e ergueu-a à altura dos olhos. Apontou…
Teria que ser um único tiro para acabar com aquela miséria. O dedo tremeu-lhe no gatilho. Prendeu a respiração… Pressionou... A explosão feriu a sala.
Contundente, a bala alojou-se no meio da nesga do sol, ainda parado, daquele horizonte odiento.


Trémulo ainda, pousou a arma na secretária, e escreveu:

Laura,
Voltei hoje a ter a capacidade de pensar.
Matei aquela coisa maldita... Pintura horrorosa, anquilo-sante e castrante que a tua mãe me ofereceu.
Volta depressa. Beijo-te meu amor.”


Lisboa, 9 de Outubro de 2010
João Rodrigues

1 comentário:

  1. O Tiro Fatal..
    Bem bacana esse conto de ínicio pensamos que ele irá fazer uma coisa insana, mais na realidade é outra.. rs rs
    Apesar que sou suspeita pra fazer qualquer tipo de comentário á respeito.. Primeiro por não entender quase nada. Segundo por ser mulher e ficaria melhor á tricotar..tricotar?????

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